segunda-feira, 18 de junho de 2012

Andrew Bird - Souverian - Cemetary Gates

Há sempre uma ironia da vida que nos conduz até O'Neill (reticências)


Divertimento com sinais ortográficos de O'Neill

...

 Em aberto, em suspenso
Fica tudo o que digo.

E também o que faço é reticente...

:
Introduzimos, por vezes,
Frases nada agradáveis...

.
Depois de mim maiúscula
Ou espaço em branco
Contra o qual defendo os textos

,
Quando estou mal disposta
(E estou-o muitas vezes...)
Mudo o sentido às frases,
Complico tudo...

!
Não abuses de mim!

?
Serás capaz de responder a tudo o que pergunto?

( )
Quem nos dera bem juntos
Sem grandes apartes metidos entre nós!

^
Dou guarida e afecto
A vogal que procure um tecto.


In, POESIAS COMPLETAS
Assírio e Alvim

A propósito de um comentário malévolo... no post anterior*

Reticências

 Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.



Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;


Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!


Vou fazer as malas para o Definitivo,


Organizar Álvaro de Campos,


E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre...


Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.


Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...


Produtos românticos, nós todos...


E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.


Assim se faz a literatura...


Santos Deuses, assim até se faz a vida!


Os outros também são românticos,


Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,


Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,


Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,


Os outros também são eu.


Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,


Rodinha dentada na relojoaria da economia política,


Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,


A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...


Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,


Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,


E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.


Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,


Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,


E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,


E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...


Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...






Álvaro de Campos, in "Poemas"


Heterónimo de Fernando Pessoa

* (porque há gente muito feia... tão feia interiormente que ofusca qualquer laivo de beleza que tenha existido nas suas vidas).