segunda-feira, 23 de julho de 2012

"Sem pão não há instrução", disse-o Paulo Freire. E, Helena Cidade Moura passou-nos a mensagem. Aconteceu


"Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda."
Paulo Freire




Só ontem soube da partida de Helena Cidade Moura.
Esta não é a foto de que gosto para aqui colocar. Seria a Helena já na nova casa que a família lhe atribuiu, Lar dos Artistas, em Belém.
Éramos vizinhas aqui no Monte Estoril. 
O conhecê-la em 1978 foi determinante para começar a percorrer os caminhos que me abriram portas e práticas de vida , ALFABETIZAR.
Comecei por estar ligada a grupos de voluntários, quase todos professores, e alfabetizámos adultos, segundo o método de Paulo Freire, uma verdadeira revolução na eficácia do método e nas escolhas de palavras geradoras,  verdadeiras "bombas" para descodificar o seu sentido social.
Helena, foi pioneira . Começou em 1973 no concelho de Sintra. Sobrepôs-se ao ME, que patinava por completo no assunto. Criou -se nessa altura uma Direção Geral de Educação de Adultos  (1979) sem saber o que haviam de fazer com ela.
Helena, sonhava ter uma Associação para implementar e alargar o se método e iluminar a escuridão em que centenas de homens e mulheres viviam . Estava na altura no MDP/CDE com coligação com o PCP.
Devido ao meu deslumbramento e militância de Paulo Freire, ao impacto muito positivo junto das pessoas que eu ensinava foi pedido o meu destacamento ao ME. Orgulho-me de ter sido a 1ª pessoa destacada para tal no distrito de Lisboa. A nível nacional éramos 30.
Helena gostaria que a associação tivesse o nome de Bernardo Santareno, mas... o nome podia ser muito "pesado" para  um ministério que  enfrentava múltiplas barreiras políticas que se de-gladiavam umas às outras. Era preciso usar de subtileza.  Assim ficou ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PARTICIPAÇÃO NO ENSINO. Ganhamos a nossa personalidade jurídica e por direito algum dinheiro e o meu destacamento. 
A sede era em minha casa... Não havia quem nos quisesse dispensar um espaço. Então, uma vez por mês, entre  12 e  15 pessoas , reuníamos na minha sala, sob a presidência de Helena Cidade e eu como secretária. Professores voluntários e os bolseiros. Estes últimos eram jovens que muito mal pagos, também ficaram com o bichinho de Alfabetizar.
E, assim, entre instituições que passaram a requisitar os nossos serviços, ao porta à porta em zonas mais empobrecidas, para aliciar as pessoas a frequentar as nossas escolas noturnas, pois aí os espaços começaram a ser cedidos, "malgré" a relutância de alguns diretores de escola altamente reacionários. (Cascais nunca foi um antro progressista, pelo menos nessa época e anos vindouros).
Fizemos gente feliz. Com lágrimas. Poder passar a ir ao supermercado e conseguir saber o que comprar sem pedir ajuda. Ler os horários de autocarros, saber ver os preços... Enfim, descobrir a vida e para muitos obter o diploma da 4ª calasse, exigido pelo Ministério do Trabalho, para que as suas carteiras profissionais pudessem ser reconhecidas e renovadas, a carta de patrão para gerir o barquinho e ser pescador. Era assim em 1980/81.
Com o tempo fomos saindo do concelho. 
Pessoalmente passei por comissões de trabalhadores, sindicatos, formei formadores no método Paulo Freire a pedido do ME, para começar a alargar estas ações ao Alentejo.
Foi uma riqueza de vida, mesmo um apaixonamento meu, por lidar com gente tão fragilizada. O bem de me dar aos outros, dos  14  aos 80 anos. Durou para mim, 7 ou 8 anos. Também me cansei.  Depois regressei ao ensino formal.
Conhecemos pessoalmente Paulo Freire num passagem  pelo aeroporto , vindo do Brasil a caminho da Suíça. Foi uma surpresa que um dos nossos bolseiros que trabalhava na TAAG, nos fez, vindo-nos buscar a Cascais e o irmos cumprimentar e Helena oferecer o manual que tinha feito de apoio aos cursos segundo o seu método.
Encontrávamo-nos por aqui, para um café e dedos de conversa e falar de uma outra criação sua, a CIVITAS e da sua nova forma de alfabetizar: as novas tecnologias.
Helena era muito bonita e tinha um marido sapiente e bondoso, o Professor Doutor Pereira de Moura. Sim , porque para Helena era precisa paciência...
Adiei visitas à sua "nova casa"..., por cobardia, pois ela QUERIA REGRESSAR  à sua casa de sonho, no lugar mais lindo do mundo, o Monte Estoril.
Foi preciso Helena partir para falar dela... Não havia necessidade. Estórias adiadas.