quarta-feira, 7 de novembro de 2012

As notícias do Jaime...(continuação) "A crise da União Europeia não é uma crise de endividamento"

 Beck, Ulrich (2012 )A Europa alemã. Novas paisagens de poder sob o signo da crise(Berlim: Suhrkamp Verlag)


I. Como a crise do euro dilacera a Europa – e como a liga [12-25]

5. A crise da União Europeia não é uma crise de endividamento [23-25]

     A crise financeira fez surgir uma rotura entre os países do Norte e os países do Sul da UE, que vai sendo agravada [24] através das crescentes multidões de fugitivos e dos custos resultantes do seu acolhimento. Efectivamente, os que fogem de perseguições, guerra civil e caos não sobrecarregam a Europa, na sua totalidade, mas sim, sobretudo, os funcionários das fronteiras dos países já mais enfraquecidos, como a Grécia, a Espanha, a Itália e Portugal. No regulamento fronteiriço da UE está em vigor a seguinte norma: o país onde chegam os fugitivos é também aquele em que tem de ser aberto e encerrado o processo de asilo. Embora recebam quantias compensatórias da UE, os países europeus meridionais sentem-se vítimas de um abuso e abandonados pelos outros. Só assim se compreende o motivo por que, nos países fronteiriços da Europa, financeiramente mais débeis, ocorrem cenas de descontentamento e xenofobia, cada vez com maior frequência, atingindo até dimensões de violência pura contra os fugitivos.
     Manifesta-se, aqui, o que está, hoje, em causa. Não se trata apenas de evitar o colapso do euro, mas de muito mais ainda: o colapso dos valores europeus – cosmopolitismo, liberdade e tolerância. Quem conceber a crise europeia como uma crise essencialmente económica, corre o risco de não poder ver aquilo que está, de facto, em causa: a questão de fundar uma Europa que esteja em condições de encontrar respostas para as mudanças fundamentais e os grandes desafios que se nos deparam, sem regredir para a xenofobia e a violência. Em primeiro plano, na crise europeia, parece girar tudo em torno de dívidas, de déficites orçamentais, de problemas financeiros. A questão fundamental, porém, a mais profunda, é a seguinte: Até que ponto pode, deve e tem que ser, ou vir a ser, solidária a Europa?
     Quem identificar a Europa com o euro... já está a renunciar à Europa. A Europa é uma aliança de antigas culturas universais e de potências hegemónicas, buscando uma saída para a sua história bélica. Na altivez dos Europeus do Norte para com os Europeus do Sul, alegadamente indolentes e indisciplinados, patenteia-se uma amnésia histórica e uma ignorância cultural que põem a nu uma grande brutalidade. Será mesmo necessário relembrar que a Grécia não é só país devedor, mas também o berço da Europa, das suas ideias e dos seus valores? Será que os Alemães já não sabem até que ponto a História da Cultura Alemã e a sua História da Filosofia são devedoras da Antiguidade helénica?
     Já Friedrich Nietzsche contrapôs à estreita autocompreensão nacional [25] dos Alemães uma autocompreensão europeia. «Não», reconhece Nietzsche, no seu livro Die fröhliche Wissenschaft (A Gaia Ciência), «nós [os apátridas] não somos [...] «alemães» o tempo suficiente para [...] podermos sentir alegria nas cordiais sarnas e septisemias nacionais com que, agora, na Europa, cada povo se isola dos outros, como se estivesse em quarentena». Este filósofo alemão critica, com veemência, «uma política que torna ermo o espírito alemão, ao envaidecê-lo» e propõe, como alternativa: «Somos, numa palavra – e há-de ser a nossa palavra de honra! –, bons Europeus, os herdeiros da Europa, os herdeiros ricos, opulentos, mas também sobrecarregados de deveres, de milénios de espírito europeu»! (21)
     Sem os valores da liberdade e da democracia, sem a sua origem cultural e sem a sua dignidade – a Europa nada será.    

Trabalho enviado por Jaime Ferreira da Silva , professor  universitário  jubilado, Bochum
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