terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Leituras breves...


O velho e o mar
Qui 13 Dezem­bro 2012
Até me fica mal dizer isto, mas con­fesso que, de quando em quando, chego a ter pena do pro­fes­sor Cavaco. O vetusto pres­i­dente passa a maior parte do tempo mudo e quedo, decerto em reflexão, tão pro­funda quando inócua, sobre o mundo e o país que aju­dou a criar. E é um deus-nos-acuda: que ele não diz nada quando deve dizer; que só fala a propósito de min­udên­cias como o estatuto dos Açores ou a vul­ner­a­bil­i­dade do cor­reio elec­trónico; ou ainda que, tal como a polí­cia e os mari­dos engana­dos, o pres­i­dente só aparece quando não é pre­ciso.
E se, vez por outra, o homem que­bra o silên­cio, é outro ai-jesus. Porque, dizendo, acabou por nada dizer, ou porque disse o que não devia ter dito, ou porque muito sim­ples­mente não disse coisa com coisa, o que, aliás, já começa a ser um hábito.
Recen­te­mente, o pres­i­dente Cavaco Silva voltou a falar, o que serviu para ficar­mos todos a saber que ainda não mor­reu. Falou no dia da greve geral, para dizer que ia tra­bal­har, e numa entrega de prémios a jor­nal­is­tas, onde até ten­tou fazer uma piada. Não resul­tou, mas conta a intenção.
Falou, ainda, num con­gresso de comu­ni­cações, para, entre out­ras coisas, exor­tar os por­tugue­ses a «ultra­pas­sar o estigma que afas­tou Por­tu­gal do mar, da agri­cul­tura e da indús­tria.» Assim mesmo. Não disse, mas a gente sabe, que esse estigma foi ele próprio quem no-lo lançou –quando, nos anos que se seguiram à entrada do nosso País no mer­cado comum, se empen­hou com grande zelo em cumprir e fazer cumprir as ordens de Brux­e­las no sen­tido de des­man­te­lar o tecido pro­du­tivo nacional.
Durante anos (sobre­tudo naque­les em que Cavaco Silvafoi primeiro-ministro), agricul­tores rece­beram (muito) din­heiro para deixar as ter­ras ao aban­dono, cen­te­nas de fábri­cas foram encer­radas em nome da«com­pet­i­tivi­dade», a frota pesqueira foi metodica­mente abatida para sat­is­fazer os dese­jos das grandes potên­cias europeias.
Ao mesmo tempo, a saborosa fruta dos nos­sos pomares foi obri­gada a normalizar-se segundo os «padrões europeus», os jaquinz­in­hos passaram à clandestinidade e o seu con­sumo começou a ser visto como uma espé­cie de ped­ofilia pis­cí­cola, e até o vinho-a-martelo gan­hou estatuto legal –tudo para mostrar à «Europa» que merecíamos ser acol­hi­dos no seu seio farto.
Foram, ainda assim, bas­tantes as vozes que então se fiz­eram ouvir e que ten­taram, debalde, fazer ver aos incau­tos que todo esse delírio ale­gada­mente mod­ern­izador teria um preço. Esta­mos agora a pagá-lo.
Por tudo isto, não deixa de ser curioso que seja, hoje, Cavaco Silva a inci­tar os por­tugue­ses a ultra­pas­sar o estigma que tem o seu nome e a sua marca. Pode­ria pensar-se que se trata de um saudável exer­cí­cio de autocrítica, mas era exi­gir demais e o pobre não tem estu­dos para tanto.
De Marx, receio que o pres­i­dente ape­nas con­heça algu­mas citações avul­sas do mano Grou­cho e um ou outro tre­jeito de Harpo. Mas, de Hem­ing­way, sus­peito que nem um pará­grafo lhe tenha, alguma vez, cau­sado qual­quer emoção. Fosse o pres­i­dente um homem de out­ras leituras para lá dos diver­sos tomos de relatórios-e-contas que já lhe terão pas­sado pela ponta dos dedos, e admi­tiria vis­lum­brar um assomo de arrependi­mento no seu apelo.
Pode dar-se o caso, tam­bém, de Cavaco ter a esper­ança de que, regres­sando ao mar, a maio­ria de nós já não volte. Afi­nal, o min­istro Gas­par e os out­ros têm-se esforçado em fazer tudo para que a vida dos por­tugue­ses se torne ainda mais insu­portável do que já era. Se uns quan­tos optarem por se ati­rar ao mar, sem­pre são uns cobres que se poupam nos funerais. Isto, pelo menos, é o que devem pen­sar as cabeças desabitadas dos sen­hores do gov­erno. Nesta comé­dia amoral, o pres­i­dente, coitado, tem de fazer o seu papel. Pardo, nat­u­ral­mente.
Jor­nal do Fundão | 13.Dez.2012

Mar de tormentas...


.... sem ter em vista um cabo de boa esperança...

As fotos do João Viana