quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Leituras breves e plenas de atualidade.


O Cinismo dos Valores

 Cada vez mais desesperado. Olho, olho, e só vejo negrura à minha volta. Fé? Evidentemente... Enquanto há vida, há esperança — lá diz o outro. Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir! — Ah! mas a humanidade acaba por encontrar o seu verdadeiro caminho — dizem-me duas células ingénuas do entendimento. E eu respondo-lhes assim : Não, o homem não tem caminhos ideais e caminhos de ocasião. O homem tem os caminhos que anda. Ora este senhor, aqui há tempos, passou três séculos a correr atrás dum mito que se resumia em queimar, expulsar e perseguir uns outros homens, cujo pecado era este: saber filosofia, medicina, física, astronomia, religião, comércio — coisas que já nessa época eram dignas e respeitáveis.

Miguel Torga, in "Diário (1942)"

Carl Orff: Carmina Burana.... continuação do meu serão de ontem

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Olhares...


Gertude Kasebier, uma das maiores fotógrafas do princípio do séc. XX, americana, que tentou ao máximo aproximar a fotografia da pintura.

Ver AQUI

Ser ou não ser.. Leitura breves

 Sermos nós próprios, unicamente nós próprios, é algo de extraordinário.
Mas como chegar a isso, como alcançá-lo? Ah!, eis o truque mais difícil de todos. Difícil , precisamente, porque não envolve qualquer esforço. (...)
E eis que de repente lhe surgiu a ideia - tão simples! - Que ser um Zé-ninguém ou ser Alguém ou ser mesmo toda a gente não o impedia de ser ele próprio. Se era realmente um  palhaço, então sê-lo ía sempre, desde a hora madrugadora do levantar até ao momento noturno de fechar os olhos

Excerto do livro de Henry Miller, O SORRISO AOS PÉS DA ESCADA
Pintura de Pedro Pascoinho, pintor figueirense, 2012

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Momentos...





"o suporte da música pode ser a relação 
entre um homem e uma mulher"


Vasco Graça Moura/Joyce Hesselberth

domingo, 27 de janeiro de 2013

Mozart, nasceu a 27 de Janeiro de 1756


As paixões sejam elas violentas ou não nunca se  devem  expressar quando chegam a um ponto desagradável; a Música, mesmo nas piores situações, nunca deve agredir aos ouvidos, mas sim cativá-los e continuar sempre Música.
Mozart, citação

Mar, sim...

"Portugal é um mar de oportunidades", disse PPC.
Mar, sim. Oportunidades, também podia ter.
Pescadores à linha, uni-vos...

(quando tiver comigo o meu PC de eleição, as fotos sairão de outra forma. Os PCs de fraca memória  são como as pessoas que sofrem do mesmo mal, redutoras..)


sábado, 26 de janeiro de 2013

Tréguas à chuva... Bom domingo


Hoje houve sol, amanhã haverá missa e na segunda logo se vê...
E.. para sorrir, a partilha de um comentador (a) "anonymus" ...
Por este Mar, passa gente boa, muito boa e outros que o gostariam de o  ser...

Esta é a minha visita, pela primeira vez aqui. Eu encontrei tantas coisas interessantes no seu blog especialmente a discussão sua. Do toneladas de comentários em seus artigos, eu acho que não sou o único a ter todo o prazer aqui! manter o bom trabalho. 

Pintura de Leonid Afremov

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Olhares...

                                       
                                                Fotografia de Cristiana Ceppas

Paro, escuto, mas não te olho.
Paro, olho, mas não te escuto.
Olho, escuto, mas não paro...

domingo, 20 de janeiro de 2013

E a nós até onde nos levará a nossa cultura?

" A nossa luta é baseada na nossa cultura, porque a cultura é fruto da história e ela é uma força"
AC - 1924-1973 (clicar)

Amilcar Cabral queria ter as mulheres ao seu lado na luta. Sempre.
Combatentes na frente de guerra, como Carmen Pereira, ou dirigentes do partido em Conacri, como Lilica Boal, foram decisivas para a causa da libertação. As camponesas eram como anjos-da-guarda que protegiam os guerrilheiros.
PÚBLICO de 20de janeiro de 2013



sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Bom fim de semana... e, umas leituras breves...

Augusto e os seus companheiros conseguiram reproduzir diariamente o drama da iniciação e do martírio.
Mergulhadas em círculos concêntricos de sombra, ali 
se erguiam filas e filas de rostos, atalhados aqui e além por lugares vagos que o projector lambia ávido  como língua em busca de um dente perdido. Os músicos , submersos em poeira e brilhos de magnésio, agarravam-se aos instrumentos como se alucinados, seus corpos juntos ondulando no jogo bruxuleante de sombra e claridade. Sempre ao rufar surdo do tambor o contorcionista enrolava, sempre o volteador se fazia anunciar por uma fanfarra de trombetas. Augusto , porém, umas vezes era o silvo agudo de um violino, noutras as notas trocistas de um clarinete qe o acompanhavam durante o cabriolar das suas palhaçadas. Mas chegado o momento de cair em transe, os músicos, subitamente, subitamente inspirados, perseguiam-no entre as suas espirais de êxtase como corcéis colados à plataforma de um carrossel dominado de loucura.
Todas as noites ao aplicar a maquilhagem, Augusto debatia-se com os seus botões  As focas, não importa o que fossem obrigadas a fazer, manter-se-iam sempre focas. O cavalo, um cavalo; a mesa uma mesa.  Augusto, embora sendo um homem, era forçado a tornar-se em algo mais: tinha de adoptar os poderes de um ser excepcional dotado de um excepcional talento. Tinha de fazer rir as pessoas. Não era difícil fazê-las chorar, tão pouco fazê-las rir; descobrira isso há muito tempo, antes mesmo de sequer ter sonhado entrar para o circo . Mais altas contudo eram as suas ambições - ambicionava dotar os espectadores de uma alegria que se revelasse perpétua . Foi esta obsessão que no início o levou a sentar-se aos pés da escada e simular o êxtase.

(...)
Excerto do livro de Henry Miller, O SORRISO AOS PÉS DA ESCADA. Um livro para mim , que bem cedo o li, de uma ternura infinita.

Pintura de Picasso, " Os Saltimbancos".

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Olhares...




Passeando pela cidade branca em dia cinzento, uma chamada de atenção. O elevador da antiga casa Ramiro Leão, no Chiado, hoje Benetton.
Merecia outro trato...

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

CARTAS DE CASANOVA SOBRE LISBOA DE 1755



Apenas a minha vontade de em tudo vos agradar, nunca esquecendo a temporada, aliás desafortunadamente curta, que juntos vivemos na minha querida cidade natal de Veneza, e o favor e mercês com que me haveis acolhido em Paris, nos primeiros meses deste ano, me poderia levar a pegar na pena para vos descrever as peripécias que levaram à minha inesperada viagem a esta desgraçada cidade de Lisboa, varrida por um atroz terramoto há cerca de dois anos. Asseguro-vos, Excelência, que, por muitos desconcertos da Natureza que me tenha sido dado ver, ou que ainda verei, nenhum me parece de mais incompreensível extensão ou gravidade. De tal forma que, não fosse acreditar nas obscuras justificações derivadas da vontade divina – que, a manifestar-se assim, seria de maior malevolência que os castigos de Sodoma e Gomorra –, seria tentado a admitir que apenas os muitos pecados e desmandos de um povo podem explicar a desgraça que sobre o seu destino se abateu. Aliás, os jesuítas e o povo miúdo acreditam nesta explicação e, ignorantes das causas naturais que a recta ratio é capaz de identificar, espalham aos quatro ventos a notícia de outras calamidades que a persistência do governo temível do ministro do Rei, Sebastião de Carvalho, não deixará de provocar.»
[in Cartas de Casanova - Lisboa 1757, de António Mega Ferreira, Sextante, 2013]

Texto tirado do blogue O BIBLIOTECÁRIO DE BABEL

Imagem Google

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Bom fim de semana ... e fiquem com a voz que ajudou Billie Holiday a mudar de vida. Monnette Moore

Eleanora Fagan Gouth tinha tudo na vida para dar errado até se transformar em Billie Holiday. A cantora negra nascida em Filadélfia  no ano de 1915, nem imaginava poder ter tido pior inicio de vida, com abandono , violações e reformatórios à mistura. Mas uma simples noite mudaria tudo.
Com 12 anos Eleanora mudou-se para Nova Iorque com o intuito de viver com a mãe e, com apensa 15 anos, começou a cantar em clubes noturnos, muitos dos quais de duvidosa fama . Como adorava uma estrela de cinema chamada Billie Dove (uma atriz branca que nascera com o nome de Bertha Bohny), Eleanora Goough adotou o nome artístico de Billie Holiday.
Uma figura inadvertidamente fulcral na vida de Billie,  Monnette Moore, uma cantora e pianista de jazz que nunca iria atingir o estrelato, mas que no inicío dos anos 30 inauguraria o Monnette ´s Supper Club, um bar de jazz situado na ra 133 de Harlem.
(...)
Moore mal abriu o seu club não perdeu tempo a endereçar convites aos produtores mais importantes da época.  John Ammond, da Columbia, era o mais importante de todos. Uma noite acedeu e visitou esse tal de Monnette Club. Os seus olhos ficaram atónitos e os seus ouvidos não podiam crer no que estava a ouvir. Mas não fora Monnette Moore que o impressionara, antes a substituta, uma tal Billie Holliday, que sem saber acabava de viver a noite que mudaria para sempre a sua vida.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Prazeres e perigos da música, segundo Santo Agostinho



Santo Agostinho, Confissões, acerca dos prazeres e perigos da música

Quando me lembro das lágrimas derramadas ao ouvir os cânticos da vossa igreja nos primórdios da minha conversão à fé, e ao sentir-me agora atraído, não pela música, mas pelas letras dessas melodias, cantadas em voz límpida e modulação apropriada, reconheço, de novo, a grande utilidade deste costume. Assim flutuo entre o perigo do prazer e os salutares benefícios que a experiência nos mostra. Portanto, sem proferir uma sentença irrevogável, inclino-me a aprovar o costume de cantar na igreja para que, pelos deleites do ouvido, o espírito, demasiado fraco, se eleve até aos afectos da piedade. Quando, às vezes, a música me sensibiliza mais do que as letras que se cantam, confesso, com dor, que pequei. Nestes casos, por castigo, preferia não ouvir cantar. Eis em que estado me encontro. Chorai comigo, chorai por mim, vós que praticais o bem no vosso interior, donde nascem as boas acções. Estas coisas, Senhor, não Vos podem impressionar, porque não as sentis. Porém, ó meu Senhor e meu Deus, olhai por mim, ouvi-me, vede-me, compadecei-vos de mim e curai-me. Sob o Vosso olhar transformei-me, para mim mesmo, num enigma que é a minha própria enfermidade.

Santo Agostinho, Confissões, x, cap. 33, trad. de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina, Livraria Apostolado da Imprensa, 6.a ed., Porto, 1958, p. 278

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Olhares...



Ao descobrir este pintor Michele Del Campo, "Street View, algo me fez associar ao livro que entretanto tenho entre mãos... "Pela Estrada Fora", de Jack Kerouak.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

"Se és artista, não fales em ser maior ou menor, para não confundires a tua obra com uma prova de atletismo" *


Obras de Peter Blake (1932) autor da capa do disco Stg. Pepper.

* Virgílio Ferreira

Ora esta frase aplica-se bem a todos os "narcisos"... uma outra forma artística de estar na vida...

domingo, 6 de janeiro de 2013

Leituras breves... "O Discípulo", Oscar Wilde



Quando Narciso morreu, a taça de água doce que era o lago dos seus prazeres converteu-se em taça de lágrimas amargas e as Ninfas dos Montes lamentaram-se  pelos bosques a fim de cantar para ele, consolando-o.
E, quando perceberam que o lago se transmudara de taça de água doce noutra de lágrimas amargas, desgrenharam as tranças verdes dos seus cabelos e disseram:
- Não nos admiramos de que pranteeis Narciso dessa maneira. Ele era tão belo!
- Narciso era belo? – indagou o lago.
- Quem sabe melhor do que vós? – responderam as Oréadas. Ao cortejar-vos, ele nos desprezava, debruçado às vossas margens mirando-vos, e, no espelho de vossas águas, contemplava a própria beleza.

E o lago respondeu:
- Mas eu amei Narciso porque enquanto ele se alongava sobre as minhas marrgens e olhava para mim, em baixo, no espelho dos seus olhos, eu vi sempre a minha beleza refletida.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Notícias do Jaime... As mais tristes de sempre... Uma cientista de 24 anos, deixou-nos...

Quando conheci o Jaime, que vive em Bochum, além de nos ligarem pessoas que nos são comuns e de quem muito gostamos , passei a gostar e a admirar uma outra que o Jaime me apresentou. A Bia, a jovem "pequenina" de Minas Gerais, uma mente brilhante, que sonhava salvar o mundo nas maleitas mais corrosivas e, aí já trabalhava.... Só 24 anos.
Leiam pois o que o Jaime, sofredor de uma "filha" que nunca teve, me enviou depois de já termos conversado sobre o assunto.


Morte prematura de promissora cientista brasileira


Beatriz Maria Nicácio era uma jovem doutoranda da “Harvard Medical School”. Coordenava um “team” de investigação que se propunha levar a cabo dois projectos científicos tão ambiciosos que professores e colegas brincavam com ela, dizendo-lhe que a atribuição do Prémio Nobel de Medicina, além de demorar muito tempo, nem sempre era justa...

Um desses projectos é uma vacina universal contra o cancro, a partir de uma proteína. O outro, que se chama “Gabi’s Stem Cells Research Project”, destina-se a estudar o uso de células estaminais na regeneração de tecidos danificados, e na criação de novos órgãos, que vão tornar supérfluas as transplantações, e curar muita gente que, hoje, está condenada a uma cadeira de rodas.
Vai ser, provavelmente, a Medicina do século XXI.
No dia 31 de Dezembro p.° p.° foi morta, num brutal acidente de viação, causado por um condutor embriagado. Ia a caminho de Belo Horizonte, onde tomaria o avião para Recife e, daí, para Boston, depois de ter vindo passar as férias natalícias com a família.
Beatriz Maria tinha 1,57 m de altura (como Immanuel Kant) e um QI entre 175 e 180. Em 26 de Novembro p.° p.° fizera 24 anos.
Ao dar-me a triste notícia, a Mãe de Bia escreveu: “Nossa Menina partiu. [...] Era um passarinho. Vivia a cantar a vida. [...] Desejava que todos nós fôssemos muito felizes!”
Foi esta, de facto, a mensagem profunda que ela nos deixou, ao partir tão cedo: vivamos cantando a vida.
Sábado, 5 de Janeiro de 2013

Pintura naif dr Ronaldo Mendes, de Belo Horizonte

Bom fim de semana...



Amo devagar os amigos que são tristes
com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem
e estão sentados,
fechando os olhos,
com os livros atrás a arder
para toda a eternidade.


Herberto Helder

Pintura de Ronaldo Mendes, Pintor naif de Minas Gerais

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Vidas... (continuação)

Anamar minha amiga

Esses são os mistérios das terras "de dentro" onde a vida nos surpreende...
Na minha infância, a ruralidade era uma certeza uma vez por ano. Algumas centenas de quilómetros abaixo moravam os meus avós. Sem luz, sem água,mas muitas galinhas, porcos, um burro, um macho uma mula,um carro que eles puxavam para levar donos à missa e visitar parentes. Terras de cultivo,uma nora, alpendres, oliveiras, alfarrobeiras e amendoeiras, as últimas, sem dúvida, as jóias da coroa.

E uma das conversas de Primavera andava à volta de "Esta ano há amêndoas???"
Sim, porque fazia toda a diferença. Já na altura era um produto bem pago mas nem todos os anos a coisa acontecia. A alternância não era certa. Caprichosa. Mas quando era ano de amêndoa, guardava-se dinheiro,os colchões engordavam, o amor era mais prazeiroso e a nossa "notinha"(a dos netos) era maior e os sorrisos sem dentes mais escancarados.
Ali o ritmo das estações e das tarefas não se confundia.

Ouvia-se os crescidos falar das colheitas, dos casamentos, dos filhos que tinham ido estudar para Faro, do comerciante de frutos que se seguravam demais nos preços...e inevitavelmente de "enforcamentos" de quem ficava sózinho.
E tudo parecia normal. Tão normal como as pequenas/grandes fortunas que se escondiam ou que jaziam no Banco, não para "adquirir coisas" para se contemplar. O papel do Banco ou a caderneta era um troféu,venerado como as fotos de família, consolo e prémio, porque o gozo era ver o número crescer e ficar gordinho como o porco do quintal...Comprar? O quê? Já tinham tudo.

Pelo que conta, não mudou muito a realidade que eu conheci porque a definição da felicidade é vasta, eterna e surpreendente.

Misterioso continua a ser o momento da decisão em que "os homens" precisamente "eles" vão buscar o baraço e o penduram na trave...
(Dizia-se por lá à boca pequena que era por causa da "prosta")

Levei muitos anos para perceber... 


ERA UMA VEZ, frequentadora deste MAR, em comentário ao post anterior, uma amiga sempre presente, desde que o deseje. Hoje o "post" é dela


A fotografia do moinho . Disse-me o "olho vivo", o senhor X, de que falei anteriormente, que foi ele que o construiu, mas a Câmara de Odemira comprou-lho.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Uma mulher, precisa-se... Vidas...


Podia ser Pão Mole ou Paitio, nome bem alentejano… Não foi importante saber o nome
para entabular conversa com este pequeno homem , franzino, olho verde bem vivo, sem dentes.. . o  que dificultou a minha audição,  e 71 anos idade. Parecia ter 80.
Dia 1 de Janeiro, concelho de Odemira, uma paragem obrigatória para resolver assuntos  e o meu vício pela fotografia.
Achei piada ao enquadramento do seu lazer acompanhado de um saco de cigarros partidos em metades e de uma cadelinha verdadeira e outros bichos em plástico.
Pedi para fotografar de longe. Um afirmativo feliz.
Aproximei-me. Apresentou-se como guarda reformado da Mondetti, no Montijo. Com 30 mil contos no banco… Só em nome dele, pois os filhos não querem saber dele para nada. No banco, ao terem feito o reparo de ser o único titular da conta, afirmou que o dinheiro em  questão  de morte ficaria para o estado.  “ os filhos não querem saber de mim para nada”… “com o asilo já me acertei com um terreno que doei”…
Fiquei aflita e disse-lhe. “ó homem , não deve dizer que tem esse dinheiro no banco”…
“digo pois, tenho lá 30 mil contos … e para o estado, mas se me apetecer vou lá buscar 40 ou 50 contos”…  Os euros, não são o seu mundo como o de muita gente.
Perguntei se vivia sozinho. Já por lá tinham passado umas velhotas…” e,  há umas na aldeia que estão mortas por fazer companhia… “ A última companheira roubou-lhe a dentadura com dentes de ouro… Alguns  terrenos à nossa vista são do senhor “olho vivo”.
Perguntei se tinha televisão. Sim senhor, tinho tudo o que precisava no cubículo aonde me convidou a entra e a fotografar. Fi-lo meio  envergonhada mas não resisti…
Estava ali um mundo alinhado e irrepreensivelmente arrumado que era tudo o que lhe era necessário.


Frigorifico, televisão, cama, uma mesinha com tudo arrumadinho e os seus bonecos de plástico, num canto a cozinha e um  mosqueiro onde guardava a comida que no topo alinhava frutos diversos que insistiu que eu comesse.
Num chão de laje muito húmida só com um tapete aos pés da cama, enregelaram os meus pés por simpatia…  Fiquei horrorizada…  30 mil contos no banco e um chão de pedra molhada…
Mas das paredes, que de despidas só tinha as mulheres de calendário que forravam as mesmas, imanava o calor que este senhor X  não se cansava de repetir… “Aqui    tenho tudo o que preciso, mas á noite deito-me sozinho como um cão”….
E, veio-me á memória o filme de Fellini, AMACORD…. “ QUERO UMA MULHER”…
É ASSIM O ALENTEJO OU O CONCELHO  ONDE MAIS GENTE SE SUICÍDA, O DE ODEMIRA.