quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Um poema que não me saiu da cabeça...



Há uma água lustral e sôfrega de sal
que inunda este país baixo
das canções de Brel, ninho de eurocratas
que desenham a Europa com régua e esquadro
e a vendem na moeda única, última,
da sua ignorância de quase tudo. Pobres
de nós, europeus da palavra que amotina
mesmo quando parece unir e pacificar.
Pobres de nós que somos irmãos cúmplices
de Emile Verhaeren, filho de Ankers,
de Rimbaud e de Verlaine matando-se
de paixão e desconsolo num quarto de aluguer,
de Baudelaire pondo-se ao abrigo
dos detractores, dos credores, dos medíocres,
de Huysmans buscando editor atrevido
para uma obra sem mercado,
de Victor Hugo, disfarçado de senhor respeitável,
evadindo-se de um Paris em tumulto.
Acorda agora,  Bruxelas, para esta memória
que não se vende nem se compra
na moeda única dos teus cálculos de deve
e haver. País baixo é o que se agacha
ante o esquecimento. Convoca de novo os poetas
 e dá-lhes as cadeiras sem história
dos teus diligentes e euroviajantes deputados.
A poesia, podes crer, é outra coisa. É outro mundo.

José Jorge Letria. "Amotinando poetas em Bruxelas", do livro ONDE SE LÊ EUROPA
Este poema veio no Expresso de 23 de Fevereiro de 2013

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

"Roubar o presente", as palavras dos outros... José Gil



  1. "Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspetivas... de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente. Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro.
    O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve e o futuro entupiu.
    O poder destrói o presente individual e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho.
    O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stresse, depressões, patologias border-/ine enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens).
    O presente não é uma dimensão abstrata do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direções. Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público.
    Atualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais. O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convivio. A solidariedade efetiva não chega para retecer o laço social perdido. O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil.
    Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espetral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.
    Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português. Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria-nos do nosso poder de ação. É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso paí
    s."


    In Visão de 21/02/013

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Pat Metheny & Brad Mehldau with Larry Grenadier and Jeff Ballard - San S...



Para o fim da nossa tarde...
Mehldau, vai estar pela Casa da Música....

Do longe, podia fazer-se perto...Mas os tempos são outros.... :((

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Pensando o dia 23 de fevereiro e cantarolando.... Bom fim de semana

                                            Trabalho de Mário Silva , "Homenagem a Zeca Afonso"

Eram amigos, Zeca e Mário Silva. águas do Mondego os ligaram. Só podia ser.

António Quadros, grande pintor mas mal lembrado neste país de triste figura, também conhecido  como poeta por Grabato Dias, era "unha com carne " com Zeca, compadres, e poemou algumas músicas de Zeca e  desenhou uma ou outra capa para discos de vinil..
António Quadros estava ligado à Figueira da Foz, porque sua mãe vivia cá e era minha vizinha. Mas recordo com muita frescura, e só mais tarde vim a associar que ele era um "clone" de Zeca...  Cabelo um pouco grande e encaracolado, boina, óculos com aros de massa preta  e camisa de pescador aos quadrados pretos e brancos.
A este voltarei breve.
Com homenagens a Zeca ficamos por aqui.
Há 26 anos chovia torrencialmente. Os nossos pés enlamearam.
Hoje faz muito frio mas o sol brilha , o que dá para "grandolar" com mais energia.




quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Fragile....

Manifestação de estudantes fragiliza Miguel Relvas...

Dois terços da pensão de Jardim Gonçalves escapam a imposto especial. Também deve estar muito fragilizado com a outra parte que lhe levaram.

O que direi eu e os demais pensionistas altamente assaltados no vencimento que hoje nos foi depositado.
Tanta minucia na carta que a CGA nos enviou, expondo onde roubou aqui e ali.  Além de frágil, deixa-me (nos) à beira de um ataque de nervos. 





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Boa semana...


O TEMPO FAZ CARETAS

Visto que não há regresso
E o tempo está de mau cariz,
Viremos o dia do avesso
Para ver como é, primeiro.

A carranca dum velho ou o traseiro
Prazenteiro dum petiz?

Alexandre O' Neill
(Poesias Completas)

Pintura de Marc Chagall

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A vida dos outros... em "episódios de rádio"...



Amigos, este "post", anda a ser adiado há muito.  É triste, mas ao mesmo tempo mostra-vos uma força da natureza que é bom dar a conhecer. É um" post" consentido pelo pai da "Silvina". 
"Silvina" é um nome fictício de uma senhora" menina" de 30 anos, que conheço de pequenina,  filha de um grande amigo, que há 3 anos, desde que foi fazer o doutoramento para a Sorbonne na  área da Biologia, foi confrontada com um câncer do qual sabe há muito que se não vai safar. 
"Silvina" tem sido acompanhada desde sempre  em Paris por  médicos de eleição e serviços hospitalares com a  eficiência necessária à perversidade da doença e rapidez com que se propaga. 17 operações. Vai partir para a 18ª operação.. Seu pai vai a caminho e não sabe como volta.
"Silvina" é a pessoa mais estranha que conheci até hoje numa circunstância como a dela pela sua auto suficiência e determinação. 
De cada operação sai reforçada para uma viagem , pois sempre andou de mochila às costas. . 
Em Maio, depois de uma intervenção, o seu querido médico mandou-a fazer uma viagem grande.
Escolheu Moçambique. Quis conhecer a terra onde o pai nasceu. Foram dias de cumplicidades infinitas.
Mas verdadeiramente da "Silvina" vão saber e conhecer no blogue que escreve , quando pode,  em casa ou no hospital.
Basta clicar em EPISÓDIOS DE RÁDIO  e deixar-se contagiar .
"Silvina" quer continuar no anonimato.

Cansaço ou mal do tempo...

Não, não é Cansaço...Não, não é cansaço... 
É uma quantidade de desilusão 
Que se me entranha na espécie de pensar, 
E um domingo às avessas 
Do sentimento, 
Um feriado passado no abismo... 

Não, cansaço não é... 
É eu estar existindo 
E também o mundo, 
Com tudo aquilo que contém, 
Como tudo aquilo que nele se desdobra 
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais. 

Não. Cansaço por quê? 
É uma sensação abstrata 
Da vida concreta — 
Qualquer coisa como um grito 
Por dar, 
Qualquer coisa como uma angústia 
Por sofrer, 
Ou por sofrer completamente, 
Ou por sofrer como... 
Sim, ou por sofrer como... 
Isso mesmo, como... 

Como quê?... 
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço. 

(Ai, cegos que cantam na rua, 
Que formidável realejo 
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!) 

Porque oiço, vejo. 
Confesso: é cansaço!... 

Álvaro de Campos
Pintura de DEGAS

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Porque hoje é quinta feira...

O amor continua muito alto,
Muito acima, muito fora
Da vida, muito raro
E difícil: maravilhoso
Quando devia ser fiel,
Fiel em cada dia,
Paciente e natural em cada dia,
Profundo e ao mesmo tempo aéreo,
Verde e simples,
Como uma árvore!

Alexandre O´Neill/Kim Rosen

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Momentos de ouro.... De um ano para o outro cumpriram-se os anos , 85...


ERA UMA VEZ

A loisa negra em que o menino escreve
aquilo
que a razão,
por qualquer voz,
lhe ensinou.

E a esponja lava o que o menino escreve

O menino,
a esponja,
a loisa,
são tal e qual o que eu sou.

  Poema de Álvaro Feijó


Uma viagem ao mundo do artista António Viana



ANTÓNIO VIANA, artista plástico, com um original site onde pode ser feita uma viagem interessantíssima através do seu portefólio e biografia. (aqui)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Bom fim de semana...

                                                                   

Passo por aqui para vos deixar algumas cores que são de tal forma reparadoras de estados de alma, que espero que produzam o mesmo efeito junto de vós, se for caso disso. 
Aos amigos com casinhas virtuais onde costumo ir buscar o néctar do vosso sentir, digo:
- Não desapareci.... Somente, ando cansada . 

   Pintura de Vik Muniz 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

E, pelo mundo dos livros vamos continuando... Hoje, veio-me este à memória...

Memória, História e HistoriografiaCoimbra, Quarteto, 2001.

"O historiador só não se enrederá na sedução consensualizadora da memória e da legitimação da 'história dos vencedores' se tiver a ousadia de também perguntar: que versão do passado domina e quem é que a pretende preservar? E por quê? E o que é que, consciente ou inconscientemente, ficou esquecido?" (Da contra-capa)

Coimbra, Quarteto Editora, 2001

E, para saber mais da bibliografia  do Professor Fernando Catroga e  de outras  conversas, se estiver no FB, pesquise o mural com o nome AMIGOS E ADMIRADORES DO PROFESSOR DOUTOR FERNANDO CATROGA e associe-se.
É uma mais valia...

Pintura de Pedro Pascoinho, 2012


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

"Agora, livro meu, vai, vai para onde o acaso te leve."


Bairro Alto, subindo a Rua do Norte,deparamo-nos com relíquias... Alfarrabistas.
Livros intemporais e muito pó..

."Os leitores servem-se dos livros como os cidadãos dos homens. Não vivemos com todos os nossos contemporâneos, escolhemos alguns amigos."

Voltaire



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Olhares... especiais



Fotografias de LucienClergue, de 1978.
O grande fotógrafo acaba de ser nomeado Membro Superior da Academia de Belas Artes, em Paris.

É o primeiro fotógrafo a ocupar este cargo.
Clergue tem 78 anos e prepara um livro de fotografia sobre Oscar Niemeyer e Brasília.
Aos 18 anos encontrou Picasso depois de uma corrida. Segundo Clergue, diz que tudo deve a Picasso.
Mantiveram uma sã relação de amizade, até ao fim da vida do pintor.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

«-Como se chama o teu vinho? - Não se chama, assobia-se.»

Acabado de jantar. Um bom vinho para aquecer o corpo e alma.
Notícias terríveis. Mas resisto...
....
Dei este livro ao meu filho no Natal de  2007.
Sei que gostei dele porque sempre gostei de Bernard Pivot, mas à época, este conteúdo interessou-me. 
Pedi-o emprestado para  o ir lendo. Também acabo de ver na net que está à venda por 4,90 euros .
Agora está comigo.


Um livro escrito ao sabor da memória, cheio de histórias únicas, divertidas, culturais e saborosas.
Nesta obra, Bernard Pivot fala apenas do que conhece, do que gosta, e do que o apaixona. Há nela autobiografia, leituras, recordações de fermentação, de adega, de mesas e de balcões de taberna, retratos de homens amantes do vinho, de vinhateiros, de adegas, de garrafas, de saca-rolhas, de taças, de provas, de aromas, de todo este conjunto de objectos, de sensações e de palavras que acompanha Casanova na sua eterna conquista de boas garrafas. 
Mas o essencial é isto: o vinho é cultura. Cultura da vinha mas também cultura do espírito. É esta dimensão cultural de um produto de consumo universal que este livro tem a ambição de evocar. Nada ultrapassa o pão e o vinho na memória mítica e alimentar do homem. Os dois estão unidos no trabalho e no repouso, no esforço e no prazer, e sobre a mesa da refeição originária do milagre cristão. O vinho é uma recompensa e um interdito.


A propósito de reencarnação, atentemos nesta quadra de Ronsard:

 Quando a morte me vier levar
Se, pelo menos, sou digno  
 De que os deuses me venham transformar,
Quero ser uma flor de videira.-NNão se 

Pintura de Jacopo Bassano (1510-1592)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Escritos intemporais... e, bom fim de semana




O que José Luís Peixoto escreveu hoje na sua página do FB.


Escrevi estas palavras há mais de 10 anos, no romance "Uma Casa na Escuridão". Também podia ter acabado de as escrever agora: 

"Ser feliz por momentos é algo de que não se deve ter vergonha. Momentos que o fim torna ridículos. A felicidade, como o amor, é um sentimento ridículo. Mas a felicidade, como o amor, só é ridícula quando vista de fora. A felicidade, como o amor, só é ridícula antes ou depois de si própria. A felicidade são momentos que, no seu presente fugaz, são mais fortes do que todas as sombras, todos os lugares frios, todos os arrependimentos. Ser feliz em palavras que, durante essa respiração breve, mudam de sentido. E nem a forma do mundo é igual: o sangue tem a forma de luz, as pedras têm a forma de nuvens, os olhos têm a forma de rios, as mãos têm a forma de árvores, os lábios têm a forma de céu, ou de oceano visto da praia, ou de estrela a brilhar com toda a sua força infantil e a iluminar a noite como um coração pequeno de ave ou de criança. Momentos que o fim torna ridículos. Momentos que fazem viver, esperando por um dia, depois de todas as desilusões, depois de todos os arrependimentos e fracassos, em que se possam viver de novo, para de novo chegar ao fim e de novo a esperança e de novo o fim. Não se deve ter vergonha de se ser feliz por momentos. Não se deve ter vergonha da memória de se ter sido feliz por momentos."



Imagem google sem autor


José Gomes Ferreira ... o poeta

Agora, apodrecer

Agora, apodrecer.
Nas ruas, no suor das mãos amigas dos amigos, na pele dos espelhos...
desespero sorrido, carne de sonho público, montras enfeitadas de olhos...

...mas apodrecer.

Bolor a fingir de lua, árvores esquecidas do princípio do mundo...
"como estás, estás bem?", o telefone não toca! devorador de astros...

... mas apodrecer.

Sim, apodrecer
de pé e mecânico,
a rolar pelo mundo
nesta bola de vidro,
já sem olhos para aguçar peitos
e o sol a nascer todos os dias
no emprego burocrático de dar razão aos relògios,
cada vez mais necessários para as certidões da morte exata,

Sim, apodrecer ...

"...as mãos, a còlera, o frio, as pálpebras, o cabelo
a morte, as bandeiras, as lágrimas, a república, o sexo...

... mas apodrecer!

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