sábado, 31 de agosto de 2013

"o tempo esse escultor"... pelo castelo de Montemor-o Velho

 Um dos fascínios das ruínas é que sugerem ou revelam sempre a configuração do original ou, por outras palavras, a intenção.
No meio da maior devastação, temos a certeza de enconyrar pedaços isolados de pereição: um arco, um pilar, uma cúpula, um pedaço de pavimento. O trabalho de restauro não só dissipa o charme e o mistério como produz efeito, um simulacro, de rigor mortis. Nada parece o que foi. O tempo é mestre apaixonado da decomposição. A criação e a destruição são gémeas, como o foram o  amor e a justiça.

Excerto de um texto de Henry Miller, Viagem a uma terra Antiga

Um dos castelos mais bonitos do país, região centro, rodeado pelos campo de arroz do nosso querido Mondego, o que foi "o basófias"... pleno de sapais cujas incursões no inverno nos podem fazer imaginar verdadeiras tragédias gregas.
Montemor-o  Velho, o da lenda das duas arcas, o bem e o mal... 
É vir e retornar. De preferência em estações diferenciadas.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Abençoados surrealistas... Fugir dos novos-ricos (surrealizantes)... defenestrem-se...

                                                                  Casa de Cruzeiro Seixas

  REMODELAÇÕES GOVERNAMENTAIS


 - Podem sentar-se, meu senhores - determinou o Presidente aos Ministros que, atentos, o esperavam ao longo da mesa magnífica. E sentou-se também, no lugar que lhe competia. - Parece-me ser conveniente uma remodelação integral do ministério.
   Entre o silêncio respeitoso, o Presidente levou a mão discreta ao bolso interior do casaco. Tirou o apito e apitou. Três vezes.
   A porta da antiquíssima sala dos Passos Longos abriu-se. De para em par. A guarda presidencial entrou e abateu os Ministros com rajada de metralhadora competente. Todos.
   - Muito bem - confirmou o Presidente, levantando-se. 
   O cabo Ludovino encostou a metralhadora à parede, com todo o cuidado. Esfregou o nariz, olhou em volta, sorriu e atirou o Presidente pela janela daquele andar.

Tempo de tudo e para tudo... Cuidem-se...

.
Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
.
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão
.
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça


Sophia de Melo Breyner




 Mário  Henrique Leiria
.

O proverbial mês de agosto está a chegar ao fim...

Provérbios de agosto

  • Em Agosto, antes vinagre do que mosto.
  • Em Agosto, nem vinho nem mosto.
  • Em Agosto, Sardinhas e mosto.
  • Em Fevereiro, chuva; em Agosto, uva.
  • Luar de Janeiro não tem parceiro; mas lá vem o de Agosto que lhe dá no rosto.
  • Não é bom o mosto colhido em Agosto.
  • Nem em Agosto caminhar, nem em Dezembro marear.
  • Agosto tem a culpa, e Setembro leva a fruta.
  • O mês de Agosto será gaiteiro, se for bonito o 1º de Janeiro. *
  • Por Santa Maria de Agosto repasta a vaca um pouco.
  • Primeiro de Agosto, primeiro de Inverno.
  • Quando chove em Agosto, não metas teu dinheiro em mosto.
  • Quem em Março come sardinha, em Agosto lhe pica a espinha.
  • Quem não debulha em Agosto, debulha com mau rosto.
  • Sê em Agosto cuidadoso e aguilhoa o preguiçoso.
  • Se queres ver o teu marido morto, dá-lhe couves em Agosto.
*Este provérbio é o da minha eleição! Et Voilá...
(imagens Google)

Peço desculpa, mas este meu PC tem tendência para assumir 2 imagens... É tarde para refazer... :)

sábado, 24 de agosto de 2013

Pelas vítimas deste país permanentemente em chamas...

As que partiram...
Outras, sem o desejarem, vão partindo lentamente. A fome, o desemprego, o desabrigo, a desilusão, a doença sem poder ser tratada remete-nos para um primitivismo inqualificável.

O adeus a Ana Rita... Uma rosa que a engoliu nos seus próprios espinhos...


Uma partida, um adeus sem retorno...

Em profundo silêncio
o menino, a cotovia
o branco crisântemo


verso haikai


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A humanidade precisa de ouvir mais música...

22 de Agosto de 1965

Em Paris constitui-se um tribunal, composto por Bertrand Russell, Sartre, Simone de Beauvoir, etc., para julgar, como criminosos de guerra o presidente Johnson e dois dos seus ministros de que não vale a pena lembrar os nomes.
Fabricantes de esqueletos.
Neste momento exacto, a ouvir na rádio os Estudos Sinfónicos de Schumann senti de súbito pena que o mundo não tivesse sido criado por certos homens - com música assim na atmosfera de respirar, em vez da luta carniceira pela vida que nos está a arrastar para a 3ª Guerra Mundial...
E isto, que parece literatura, não é.

Diários de José Gomes Ferreira
in Passos Efémeros, Dias Comuns-1

Imagem Google
Video, Estudos Sinfónicos de Schumann

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Raridades e ausência de crédito...


Leituras breves e profundas... Sobretudo muito atuais...


APRENDER COM GUERRA JUNQUEIRO
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (...) 

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. 

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. 

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.


De José Pacheco Pereira, blogue Abrupto

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Uhmmmm.... Dá que pensar...


Lua entre fios...

Lua AdversaTenho fases, como a lua, 
Fases de andar escondida, 
fases de vir para a rua... 
Perdição da minha vida! 
Perdição da vida minha! 
Tenho fases de ser tua, 
tenho outras de ser sozinha. 

Fases que vão e que vêm, 
no secreto calendário 
que um astrólogo arbitrário 
inventou para meu uso. 

E roda a melancolia 
seu interminável fuso! 

Não me encontro com ninguém 
(tenho fases, como a lua...). 
No dia de alguém ser meu 
não é dia de eu ser sua... 
Poema de Cecília Meireles 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Almoço de 15 de agosto... "Pranzo de Ferragosto".

Um dia que deixou marcas e saudade dos que já partiram.
Estávamos todos, havia abundância, excessiva mesmo, muita alegria e procissão...
Hoje é uma sombra dos dias... mas, por feliz coincidência, haverá  um jantar de agosto muito concorrido.
Há anos assim...
Fiquem bem.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Hoje há chuva de estrelas...

                                                 "People in the Sun", Edward Hopper, 1966

"espera-me uma insónia do tamanho dos astros"...

InsóniaNão durmo, nem espero dormir. 
Nem na morte espero dormir. 

Espera-me uma insónia da largura dos astros, 
E um bocejo inútil do comprimento do mundo. 

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite, 
Não posso escrever quando acordo de noite, 
Não posso pensar quando acordo de noite — 
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite! 

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer! 

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo, 
E o meu sentimento é um pensamento vazio. 
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam 
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo; 
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam 
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo; 
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada, 
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo. 

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro. 
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo. 
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda. 
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer, 
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir. 

Estou escrevendo versos realmente simpáticos — 
Versos a dizer que não tenho nada que dizer, 
Versos a teimar em dizer isso, 
Versos, versos, versos, versos, versos... 
Tantos versos... 
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim! 

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir. 
Sou uma sensação sem pessoa correspondente, 
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê, 
Salvo o necessário para sentir consciência, 
Salvo — sei lá salvo o quê... 

Não durmo. Não durmo. Não durmo. 
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma! 
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir! 

Ó madrugada, tardas tanto... Vem... 
Vem, inutilmente, 
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta... 
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste, 
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança, 
Segundo a velha literatura das sensações. 

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança. 
O meu cansaço entra pelo colchão dentro. 
Doem-me as costas de não estar deitado de lado. 
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado. 
Vem, madrugada, chega! 

Que horas são? Não sei. 
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio, 
Não tenho energia para nada, para mais nada... 
Só para estes versos, escritos no dia seguinte. 
Sim, escritos no dia seguinte. 

Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte. 
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora. 
Paz em toda a Natureza. 
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras. 
Exactamente. 
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras. 
Costuma dizer-se isto. 
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece, 
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece. 
Exactamente. Mas não durmo. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa
Óleo de Edward Hopper, Morning in the Sun

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

"amo as palavras", disse Urbano Tavares Rodrigues. Elas ficarão para sempre connosco


                                     "O Tempo da Outra Senhora", de Rogério Ribeiro
A Repulsa do Poder pelo Homem de LetrasA repulsa dos poderes constituídos pelo homem de letras e pelo homem de pensamento (pois tanto a expressão racionalista do filósofo e do sociólogo como a apreensão intuitiva do real a que procede o ficcionista surgem como ameaça aos sistemas de imposição de ideias ou de coerciva persuasão), esse afastamento do intelectual inconformista, transformado assim, com raras excepções (que nalguns casos já beiram o limite da assimilação) em outsider, representa uma destruição de valores culturais, que se traduz não poucas vezes em atraso de gerações. 
Evidentemente, tal relegamento do escritor para zonas de sombra acicata-o por vezes, levando-o a produções vertebradas, que são autênticos gritos da inteligência rebelde e onde não raro se derrama o melhor da capacidade imaginativa, tensa e exasperada, de períodos em que se obscurece a comunicação normal entre os homens e em que a acção do livro, reduzida embora em extensão, ganha uma acutilante qualidade crítica e concentra a dignidade de minorias advertidas culturalmente e firmes no seu espírito de resistência. Mas o saldo não deixa de ser negativo quando se considera não já tudo aquilo que o escritor suporta e sofre, mas - e sobretudo - o muito que a camada dos leitores perde pela falta de convívio efectivo com aqueles que são não, é claro, os meus mentores, mas os que injectam na massa ideias novas, que divisam, na zona penumbrosa em que o futuro se vai pouco a pouco libertando da hora viva, os moventes sinais de amanhã. 

Urbano Tavares Rodrigues, in 'Ensaios de Escreviver

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Notícia à hora, ao minuto ao segundo...

O Amor é...
  O amor é o amor — e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...


O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor
e trocamos — somos um? somos dois?
espírito e calor!

O amor é o amor — e depois?

Alexandre O'Neill, in 'Abandono Vigiado'


Desenho de Ana Biscaia, premiada este ano como a melhor ilustradora de livros infantis, "A Cadeira que Queria Ser Sofá"


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Gauguin e as suas alegorias... Um "eterno" verão...

"O artista defendia que: a pintura não é a cópia da realidade, mas sim a sua transposição mágica, imaginativa e alegórico"


terça-feira, 6 de agosto de 2013