sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Bom fim de semana... e, umas leituras breves...

Augusto e os seus companheiros conseguiram reproduzir diariamente o drama da iniciação e do martírio.
Mergulhadas em círculos concêntricos de sombra, ali 
se erguiam filas e filas de rostos, atalhados aqui e além por lugares vagos que o projector lambia ávido  como língua em busca de um dente perdido. Os músicos , submersos em poeira e brilhos de magnésio, agarravam-se aos instrumentos como se alucinados, seus corpos juntos ondulando no jogo bruxuleante de sombra e claridade. Sempre ao rufar surdo do tambor o contorcionista enrolava, sempre o volteador se fazia anunciar por uma fanfarra de trombetas. Augusto , porém, umas vezes era o silvo agudo de um violino, noutras as notas trocistas de um clarinete qe o acompanhavam durante o cabriolar das suas palhaçadas. Mas chegado o momento de cair em transe, os músicos, subitamente, subitamente inspirados, perseguiam-no entre as suas espirais de êxtase como corcéis colados à plataforma de um carrossel dominado de loucura.
Todas as noites ao aplicar a maquilhagem, Augusto debatia-se com os seus botões  As focas, não importa o que fossem obrigadas a fazer, manter-se-iam sempre focas. O cavalo, um cavalo; a mesa uma mesa.  Augusto, embora sendo um homem, era forçado a tornar-se em algo mais: tinha de adoptar os poderes de um ser excepcional dotado de um excepcional talento. Tinha de fazer rir as pessoas. Não era difícil fazê-las chorar, tão pouco fazê-las rir; descobrira isso há muito tempo, antes mesmo de sequer ter sonhado entrar para o circo . Mais altas contudo eram as suas ambições - ambicionava dotar os espectadores de uma alegria que se revelasse perpétua . Foi esta obsessão que no início o levou a sentar-se aos pés da escada e simular o êxtase.

(...)
Excerto do livro de Henry Miller, O SORRISO AOS PÉS DA ESCADA. Um livro para mim , que bem cedo o li, de uma ternura infinita.

Pintura de Picasso, " Os Saltimbancos".