quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Um poema que não me saiu da cabeça...



Há uma água lustral e sôfrega de sal
que inunda este país baixo
das canções de Brel, ninho de eurocratas
que desenham a Europa com régua e esquadro
e a vendem na moeda única, última,
da sua ignorância de quase tudo. Pobres
de nós, europeus da palavra que amotina
mesmo quando parece unir e pacificar.
Pobres de nós que somos irmãos cúmplices
de Emile Verhaeren, filho de Ankers,
de Rimbaud e de Verlaine matando-se
de paixão e desconsolo num quarto de aluguer,
de Baudelaire pondo-se ao abrigo
dos detractores, dos credores, dos medíocres,
de Huysmans buscando editor atrevido
para uma obra sem mercado,
de Victor Hugo, disfarçado de senhor respeitável,
evadindo-se de um Paris em tumulto.
Acorda agora,  Bruxelas, para esta memória
que não se vende nem se compra
na moeda única dos teus cálculos de deve
e haver. País baixo é o que se agacha
ante o esquecimento. Convoca de novo os poetas
 e dá-lhes as cadeiras sem história
dos teus diligentes e euroviajantes deputados.
A poesia, podes crer, é outra coisa. É outro mundo.

José Jorge Letria. "Amotinando poetas em Bruxelas", do livro ONDE SE LÊ EUROPA
Este poema veio no Expresso de 23 de Fevereiro de 2013