quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Amores de verão.... "quero que sejas minha".

Casa onde viveu Jorge de Sena , Figueira da Foz *
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   Afastámo-nos rindo. E foi ainda com esse riso na boca que a Mercedes tornou a perguntar-me: - Mas que hei-de eu fazer?
   O riso que continuava absurdo nos cantos da sua boca, quando os olhos fitos em mim já se marejavam de lágrimas, enfureceu-me:
   - Faz o que quiseres e deixa-me em paz - e comecei a andar em direcção às barracas.
   Ela veio correndo, após ter ficado gelada com a minha fúria:
   - Jorge, não me abandones.
Bairro Novo,  a rua do casino

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Ele levantou-se devagar, e, ao afastar-se, ainda olhou para trás com desconfiada malícia.

   - O que é que ele está a pensar de nós? - disse ela.

   Eu puxei-a para dentro da barraca. Ela resistiu: - Olha que nos vêem - e, ouvindo-a, foi que reparei que, na barraca ao lado, as senhoras já não estavam. 
  - Que vejam, que toda a gente nos veja - e apertei-a com força contra mim.
   Ela separou-se violentamente, e ficou meia curvada, no canto da barraca, como um animal acossado. Quando me aproximei, deixou-se cair sentada no chão. e ergueu para mim um rosto lacrimoso:-  Que queres que eu faça? Eu gosto tanto de ti, oh, como eu gosto de ti!
   - Quero que sejas minha.
   - Mas eu  hei-de ser.
   - Hoje.
Praia da Figueira da Foz
...
Evitei atravessar o Bairro Novo, e fui passeando pela cidade, mergulhado numa incrível bem aventurança. No pasmo de ser possível uma bem aventurança assim. Andava, e era como se, ao mesmo tempo, não visse as ruas nem as pessoas, e as ruas e as pessoas existissem para que eu, de felicidade, as não visse, mas elas sentissem a alegria que irradiava de mim. Tinha sido tão extraordinário! E tão simples também. Eu nunca imaginara, nem mesmo em sonhos, que o amor pudesse ser uma plenitude tal. Nunca sentira, nem mesmo nos momentos de maior satisfação, nada de semelhante à sensação de total domínio, que fora a minha ao possuí-la. E tinha sido, ao senti-la estremecer e gemer comigo, como se a virgindade dela se tivesse refeito, precisamente quando  e porque eu a possuía.

                            Excerto do livro de Jorge de Sena, Sinais de Fogo

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Tenho uma enorme ternura por este livro de Jorge de Sena.  O prazer vem não só da narrativa , mas da vivências dos anos trinta na Figueira da Foz, não serem muito diferentes das minhas, pela minha memória,  que se vai para fins dos anos 50 e anos 60.  Adolescente.
A Figueira era um ícone como estância balnear, vivida durante 3 meses, que acolhia gente de Lisboa e Linha de Cascais, as famílias tradicionais das Beiras, espanhóis de Salamanca, numa mescla de tradição e conservadorismo aliada à irreverência dos jovens e dos estrangeiros do sul e norte da Europa. Uma dor de cabeça para nós , "as portugas", preteridas pelas loirinhas brancas, que de livre e alegre vontade de entregavam aos corpos dos adónis.
Os amores de verão....

* A 1ª fotografia mostra a casa onde viviam os tios de JORGE DE SENA, e onde este passava féria. Está em enorme degradação. Ali viveu uma professora primária e,
Eu, na Figueira da Foz em 1953/4(?)
dentro do muro que se vê, foi onde fiz a escola primária e a casa onde viveu a grande republicana e democrata, Drª Cristina Torres.