quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

de propósito e a pretexto de Antero de Quental, "As Fadas", foi um livro de cabeceira e partilhado com o meu jovem público, as "minhas" crianças



AS FADAS (Antero de Quental)

                             
           
               
AS FADAS 
As fadas… eu creio nelas! 
Umas são moças e belas, 
Outras, velhas de pasmar… 
Umas vivem nos rochedos, 
Outras, pelos arvoredos, 
Outras, à beira do mar… 

Algumas em fonte fria 
Escondem-se, enquanto é dia, 
Saem só ao escurecer… 
Outras, debaixo da terra, 
Nas grutas verdes da serra, 
É que se vão esconder… 

O vestir… são tais riquezas, 
Que rainhas, nem princesas 
Nenhuma assim se vestiu! 
Porque as riquezas das fadas 
São sabidas, celebradas 
Por toda a gente que as viu… 

Quando a noite é clara e amena 
E a lua vai mais serena, 
Qualquer as pode espreitar, 
Fazendo roda, ocupadas 
Em dobar suas meadas 
De ouro e de prata, ao luar. 

O luar é os seus amores! 
Sentadinhas entre as flores 
Ficam-se horas sem fim, 
Cantando suas cantigas, 
Fiando suas estrigas, 
Em roca de oiro e marfim. 

Eu sei os nomes de algumas: 
Viviana ama as espumas 
Das ondas nos areais, 
Vive junto ao mar, sozinha, 
Mas costuma ser madrinha 
Nos batizados reais. 

Morgana é muito enganosa; 
Às vezes, moça e formosa, 
E outras, velha, a rir, a rir… 
Ora festiva, ora grave, 
E voa como uma ave, 
Se a gente lhe quer bulir. 

Que direi de Melusina? 
De Titânia, a pequenina, 
Que dorme sobre um jasmim? 
De cem outras, cuja glória 
Enche as páginas da história 
Dos reinos de el-rei Merlim? 
Umas têm mando nos ares; 
Outras, na terra, nos mares; 
E todas trazem na mão 
Aquela vara famosa, 
A vara maravilhosa, 
A varinha de condão. 

O que elas querem, num pronto, 
Fez-se ali! parece um conto… 
Mesmo de fadas… eu sei! 
São condões, que dão à gente 
Ou dinheiro reluzente 
Ou joias, que nem um rei! 

A mais pobre criancinha 
Se quis ser sua madrinha, 
Uma fada… ai, que feliz! 
São palácios, num momento… 
Beleza, que é um portento… 
Riqueza, que nem se diz… 

Ou então, prendas, talento, 
Ciência, discernimento, 
Graças, chiste, discrição… 
Vê-se o pobre inocentinho 
Feito um sábio, um adivinho, 
Que aos mais sábios vai à mão! 

Mas, com tudo isto, as fadas 
São muito desconfiadas; 
Quem as vê não há de rir, 
Querem elas que as respeitem, 
E não gostam que as espreitem, 
Nem se lhes há de mentir. 

Quem as ofende cautela! 
A mais risonha, a mais bela, 
Torna-se logo tão má, 
Tão cruel, tão vingativa! 
É inimiga agressiva, 
É serpente que ali está! 

E têm vinganças terríveis! 
Semeiam coisas horríveis, 
Que nascem logo no chão… 
Línguas de fogo, que estalam! 
Sapos com asas, que falam! 
Um anão preto! um dragão! 

Ou deitam sortes na gente… 
O nariz faz-se serpente, 
A dar pulos, a crescer… 
É-se morcego ou veado… 
E anda-se assim encantado, 
Enquanto a fada quiser! 

Por isso quem por estradas 
For, de noite, e vir as fadas 
Nos altos, mirando o céu, 
Deve com jeito falar-lhes, 
Muito cortês e tirar-lhes 
Até ao chão o chapéu. 

Porque a fortuna da gente 
Está às vezes somente 
Numa palavra que diz. 
Por uma palavra, engraça 
Uma fada com quem passa 
E torna-o logo feliz. 

Quantas vezes já deitado, 
Mas sem sono, inda acordado 
Me ponho a considerar 
Que condão eu pediria, 
Se uma fada, um belo dia, 
Me quisesse a mim fadar… 

O que seria? Um tesoiro? 
Um reino? Um vestido de oiro? 
Ou um leito de marfim? 
¿Ou um palácio encantado, 
Com seu lago prateado 
E com pavões no jardim? 

Ou podia, se eu quisesse, 
Pedir também que me desse 
Um condão, para falar 
A língua dos passarinhos, 
Que conversam nos seus ninhos… 
Ou então, saber voar! 

Oh, se esta noite, sonhando, 
Alguma fada, engraçando 
Comigo (podia ser?) 
Me tocasse co’a varinha 
E fosse minha madrinha, 
Mesmo a dormir, sem a ver… 

E que amanhã acordasse 
E me achasse… eu sei! me achasse 
Feito um príncipe, um emir!… 
Até já, imaginando, 
Se estão meus olhos fechando… 
Deixa-me já, já dormir!
          
Antero de Quental