terça-feira, 24 de março de 2015

" e assim as árvores chegam ao céu", Herberto Hélder. 1930-2015


«Na límpida teia das mãos,
a colher que se arqueia
                                    desde
a traça alimentar à costura cirúrgica
da garganta
                    onde a voz rebenta
num buraco de sangue.»
(...) A costura cirúrgica da garganta é sinónima da corola cesariana. É pela boca que se manifesta o poder do corpo, no corpo reside o poder da linguagem poética. Herberto Hélder é o poeta que mais longe foi na exploração das potencialidades metafóricas da linguagem do corpo, que, o mesmo será dizer, mais longe foi na exploração do desejo.

                                                                    in «DIÁRIO POPULAR», 28/09/1978

A pedra abre a cauda de ouro incessante,
somos palavras,
                            peixes repercutidos.
Só a água fala nos buracos.
(...)
                Sou os mortos - diz uma árvore
com a flor recalcada.
                                   E assim as árvores
chegam ao céu.

HH, «Húmus», 1966/67  (introdução do livro O CORPO  O LUXO  A OBRA )