segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

"Gravíssimo attentado contra a família real" - 1 de fevereiro de 1908 . E, viva a República.



A problemática do tiranicídio (e do regicídio) moderno surgiu crescentemente ligada a uma filosofia da história secularizada, cujo sentido optimista teria remover os obstáculos ao seu percurso progressista, sobretudo porque se acreditava que, por essência, ou por razões sociais injustas mas ultrapassáveis, todo o poder era despótico.
Daí que o seu executor aparecesse como um justiceiro animado pelo que ele (ou o grupo em que se integrava) achava ser o imperativo inscrito no devir histórico, logo, como um revolucionário cheio de pressa para que o futuro 
chegasse mais cedo. Heroicidade que lidava mal com os reformismos  

ou com os movimentos que colocavam o motor da transformação social num sujeito anónimo e colectivo, condenando a violência individualizada. Filho do modo romântico de encarar a revolução, o tiranicida dos finais do século XIX e princípios de Novecentos irrompeu como um herói individual, embora justificasse a sua acção por valores universais e redentores, fosse a pátria, o oprimido, ou toda a humanidade escravizada pela exploração e pelo sofrimento. Com isso, porém, o seu acto fazia-se acompanhar pela simultânea individualização da responsabilidade pelo opressivo transcurso da história.
Compreende-se, assim, que, mesmo quando ideologicamente o não era, os seus protagonistas se movimentassem numa mitologia de fundo anarquista e mesmo, em casos mais radicais, niilista. Horizonte que ganhou particular relevo a partir das últimas décadas de Oitocentos, e que impulsionará uma espécie de onda que submergiu reis, imperadores, ministros e presidentes de repúblicas, desde a Rússia, os EUA, a França, a Itália, a Espanha, até, entre outros locais, Portugal e o Império Austro-Húngaro. E se, na Antiguidade, o tiranicídio era desculpabilizado em nome da restauração da ordem natural da pólis, e se, na justificação teológica, se matava em nome de Deus e da pátria celeste, com a Revolução Francesa e com as suas apropriações anarquistas e patriótico-nacionalistas posteriores, o considerado como déspota era executado por quem pensava estar a cumprir uma missão resgatadora, agindo, assim, como juiz único da razão e do tribunal da história.



Retirado de Fernando Catroga, Ensaio Respublicano 

Retirado da página de FB , de A textos e pretextos de Fernando Catroga