sábado, 11 de fevereiro de 2017

"Se bem me lembro...." , hoje é o dia de adeus aos seus" oitentas"...

   ... a caminho dos 90.
São os anos da minha Mãe, nascida na Figueira da Foz, há 89 anos.
Como atesta a elaborada pesquisa feita pela nossa prima dilecta, Isabel Helena, grafada em livro comemorativo, muita coisa aconteceu na região e no mundo, nos idos de 28 do século passado.


Para a Mãe/Avó/Bisavó Anita,  com parte da sua vida passada na Biblioteca Municipal da Figueira,  um espaço de eleição, de elites e eleitos pelo prazer da leitura,  aqui fica em jeito de festejo, uma crónica do  nosso querido Professor  Vitorino Nemésio , representativa da época e não muito diferente da de hoje.

"Vou no meu quarto ano de Figueira. Isto é um curso: no primeiro ano nem se conhecem condiscípulos, que são os outros banhistas. No segundo já há relações - não muitas, porque as disciplinas são absorventes e variadas: escolher banheiro, mercearia, farmácia para a pomada contra as queimaduras do sol e alguma tintura de iodo, conhecer as manhas da porta da casa alugada (uma ciência), etc. Até que, no terceiro, saudados logo à chegada pelo banheiro, pelo merceeiro, pelo rapaz do pão que nos dá o inútil bilhete de visita segurando o guiador da bicicleta, estamos quási formados (...)

Não me formei propriamente em Figueira da Foz (nome de Faculdade) mas em Palheiros, Universidade de Buarcos.(...) estudar o regime das nortadas, a psicologia das mulheres que vendem peixe e que nos saturam de sardinha, as laparotinhas que descem ao povoado com o cesto da fruta ou do feijão. 

(...) O Dr. Oceano é na verdade a pessoa mais importante da Figueira. Emquanto gizo êste artigo êle muge atrás de mim. O crescente da lua estampa-se no céu. Abaixo uma esteira de luz, para cá, na areia, ondas que se desdobram como grupos de quatro atiradores deitados, que na carreira de tiro, à voz de 'fogo!' disparam ao alvo certo. 

(...) No resto a Figueira é trivial e adorável como um híbrido de praia mundana e cidade de pequenos armadores. O turismo apregoa a parte confortável, recreativa e fresca do simpático produto, e tem para isso as razões especiais de todo o turismo moderno: boa esplanada, praia de aro imponente, casinos e cafés populosos, um delicioso ténnis instalado com muito gosto num forte abandonado das bombardas. Eu apego-me mais à Figueira de todo o ano, morta no Bairro Novo (...). 

Não sei se êste interesse pela Figueira de inverno me veio de um romance de João Gaspar Simões, Amores Infelizes, em que a alma burguesa da cidade diz uma parte importante daquilo que tem a dizer."

por Vitorino Nemésioin Diário de Lisboa - "A Banhos", 7 de Setembro de 1935.